segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Bloco do eu sozinho.

Da janela é possível ver. Ver a mulher que passa com o sorriso sujo de batom, o menino magro que pula sem entender o refrão do samba-enredo, as crianças que se arriscam em ofender os homens fantasiados que as matam de medo.

O resmungar incontrolável da velha que cata latas é indescritível. Talvez sinta sede, talvez sinta fome, talvez seja carnaval.

A chaleira apita, imita o som feito nas ruas, sente inveja. A água que grita viraria chá, porém é substituído por café nos últimos minutos do início de uma noite vazia. Café forte com gosto de Brasil.

Faz calor na sala apertada e escura. O rádio se preocupa apenas em tocar os CDs dos Beatles. A TV protesta silenciosa ao exibir um leilão interminável de jóias. O mundo festeja delirante. É linda a distância que se pode ter do mundo com um pouco de esforço e frieza.

A caneca na mão denota solidão, o roupão demonstra desmazelo, a face não esconde a tristeza. A cena é mutável, sempre será.

Um bloco de rua passa. Convida a todos para participar da festa animada, demonstra o que a resposta positiva pode proporcionar. Some confuso por não agregar mais foliões. Resolve trocar a decepção por "são vocês que estão perdendo". A noite continua.

O telefone toca interrompendo o pensamento sobre o livro lido no dia anterior. A proposta interessa, cativa e é negada. A solidão neste momento é preferível. A vida chama, indaga, propõe. É preciso entender, é necessário explicar.

A noite termina entre dúvidas e tamborins.


Sobre os selos que me mandaram nas útlimas semanas: Selos

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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Atrás de um sorriso.

As coisas estão em seu estado normal e prontas para serem abandonadas na solidão fulminante de algumas horas sem seu dono. A mochila é posta, o tênis amarrado e a preguiça ignorada. "Não esqueça as luzes acessas e as portas destrancadas menino!" - Disse quando partiu. O pedido de cuidado com as luzes é ignorado, não as acendo quando não são necessárias. A porta é trancada após a leve meditação que me leva por todos os cômodos e me assegura, mesmo sem certeza, de que nada esqueci. Parto.

O ônibus é pego as pressas, tenho que chegar a uma da tarde. Solto, ainda é meio-dia. A corrida até o ponto do próximo ônibus me cansa. Como pode um menino de 18 anos estar cansado com uma mísera corrida? Como pode um menino de 18 anos correr cansado para o ponto de ônibus? Como pode um menino de 18 anos fumante não cansar ao correr no sol de 40º do Rio de Janeiro? O segundo ônibus foi pego, e nele aconteceram coisas maravilhosas, consegui voltar a respirar normalmente, por exemplo. Depois de 25 minutos eu já fazia parte do ônibus, estava lá sentado com os cabelos ao vento e com o olhar fixo na paisagem que se movia rapidamente. O sol e o morro não eram tão rápidos ao passar quanto as casas e lojinhas de beira de estrada, só pra constar. Cheguei por lá às 13:01, fui correndo por cima da grama que desde sempre não se pode pisar. "Não pise na grama", "Não fume" e o mais importante "Não pense, nem sob tortura". Cheguei, disse "Boa tarde", responderam-me simpaticamente. Às duas horas e meia que seguem o "Boa tarde" são coisas minhas, pulemos. Ao sair consegui tirar umas fotos do lugar, não pretendia ilustrar esta crônica e naquele momento, pra falar a verdade, nem imaginava esta crônica.


Mais um ônibus em meu caminho, porém este com um gosto diferente, gosto de vitória, de parabéns, de tranquilidade. As mesmas paisagens passavam em minha janela, entretanto agora com os tons de laranja, vermelho e amarelo que o sol lhes dava e na direção contrária. O calor dentro do ônibus era inebriante, unificador. Todos diziam "Que calor!", a sensação era geral, então no ápice das reclamações ao astro que nos mantém funcionando me foi incontrolável sorrir para a menina que tentava cantarolar qualquer coisa no colo da mãe.

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Certas coisas não precisam que seu sentido seja exposto como troféu a todos que as vêem. Se não faz sentido para você, continue nesta rua e vire à esquerda.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Apêndice (1/2)

Os fantasmas são, agora, reconhecíveis;


Abriu os olhos lentamente como o protagonista fez em um filme que assistiu. O quarto estava escuro por causa da cortina cor de vinho. A cena era perfeita. Ouviu um trovão forte, ficou feliz por imaginar que a chuva do dia anterior continuava, desanimou quando percebeu que o som era de uma motocicleta querendo atenção.

Passou a noite com seus pensamentos e com a repulsa pela recepcionista indiscreta, não dormiu. Saiu do motel confuso, não sabia para onde ir. Decidiu, depois de pairar por centenas de incertezas, ligar para um antigo amigo que o convidou há uns anos atrás para morar em uma república de estudantes de arquitetura. Ligou.


[Fotorafia de Chema Madoz]

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Apêndice (1)

Tinha aos olhos os óculos molhados pela chuva, tinha ao rosto lágrimas disfarçadas pelos óculos. Seus pés doíam por andar a tarde inteira. Andou sem rumo, esperando encontrar o que deixou ao sair. Não estava arrependido, nem iria se arrepender. É forte como a mãe e orgulhosos como o pai, tanto que os abandonou.

Quando a mochila começou a pesar e sua dor nas costas chamou mais atenção que seus pensamentos, parou em um motel de esquina, onde a atendente repugnante perguntou-lhe se desejava companhia.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Na cabeça de um Marechal.

A pomba louca voava rápido sem saber para onde ir. Viu crianças felizes no parque. Viu sua vida diminuir. Adorava as correntes de vento, impulsionavam-na no ar. Via as coisas, então, de cima. Conseguia ver o mar!

A pomba louca tinha nome. Conseguia conversar. Fala sempre com seus amigos, que só sabem arrulhar. Nunca recebeu uma resposta digna. Nunca soube a quem amar. Muda seu nome diariamente. Quem vai nela reparar?

Sua vida teve propósito, quando viu Roberval. Um pombinho lindo e branco. Parado sempre na cabeça de um Marechal. Floriano ou Peixoto? Quem dera Deus saber. A pomba louca não ligava. Amava Roberval pelo seu jeito de ser.

Tomou coragem e voou perto. Viu os olhos Roberval. É paixão! – pensou ela. Ou será instinto maternal? Não conseguiu entender. Preferiu deixar de lado. Foi embora sem saber, o que pensava seu amado.


Pomba: (nankin e pena), Lucas Moratelli (Rio de Janeiro 26/01/09).