segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Fantasmas;


F
azia frio, talvez mais do que eu pudesse perceber. Olhava fixo pela janela juntando partes de músicas antigas e cantando-as em pensamento. Vi árvores, crianças, flores, gotas, nuvens, tristeza, pureza e tudo que era necessário no momento. Meus malditos lapsos de amnésia não me deixam transcrever os versos que criei enquanto a paisagem se movia. Da dor bem me lembro, afinal foi uma das coisas mais bonitas que senti nos últimos meses. E antes de chegar à conclusão de que isso poderia ser uma cena para um de meus contos, uma lágrima irônica rolou. Do conto eu decidi esquecer, melhor guardar a cena assim, solta, sem rimas, personagens e palavras bonitas. Deixarei ser sempre simples assim como minha única e tímida lágrima.


terça-feira, 18 de novembro de 2008

Acidez;


E
antes do sol se por teve de guardar todas as tangerinas. Nem queria imaginar se a pegassem de tangerinas na mão. Tão crua, tão limpa, tão cheia de tangerinas. "Que dirá meu amor se me vir assim?" - Pensou guardando a última fruta. E antes do crepúsculo anunciar tão fortemente a chegada da noite, voltou a largar todas as tangerinas no chão. Decidiu, simples assim, que recolher tangerinas a luz da Lua é bem mais poético.


Lucas Moratelli;

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Depois das 10; (Cap. 2)

|Leia o capítulo 1|

O despertador que ganhara de sua avó no último natal tocou acabando com o sonho onde ela era desejada e feliz. Levantou ainda com sono e foi ver como estava o tempo: chuvoso e cinza, tão mórbido quanto seu humor. Foi à cozinha e apanhou sua caneca amarela e a encheu de café frio. O relógio já marcava nove e meia, não teria tempo de fazer um novo café, mas conseguiu tempo para ler seus e-mails. “Você tem 39 novas mensagens” – A tela piscava para ela. Os emails que diziam “feliz aniversário” apagou sem demonstrar nenhum ânimo, já os que davam parabéns pela publicação do livro ela deixou, apenas abriu o email que tinha como título uma frase de Drummond. Ao terminar de lê-lo desligou o computador e abriu um sorriso de canto de boca, igual ao que ela sempre fazia quando era “a certa” em alguma conversa com seus amigos intelectuais.

“10:00 am” – mostrava o relógio quando Julia entrou no banho. Quinze minutos depois já estava a perambular pelo quarto de toalha e com um cigarro na mão. “Essa deve servir” – Disse segurando uma blusa vermelha contra o espelho. Vestiu-se, pegou a bolsa e desligou o rádio que insistia em tocar músicas dos anos 80. Voltou a sala e se certificou do horário, pois só saia de casa depois das 10. Eram dez e meia, então saiu.

Ao sair do apartamento encontrou uma carta em cima do seu capacho de “Bem-Vindo”, pegou o envelope, o pôs dentro da bolsa, deixou uma lágrima correr e foi andando em direção a escada. “Maldito elevador quebrado!” – Pensou enquanto descia o último lance de escada. Deu “bom dia” para o velho gordo que começara a trabalhar na portaria do edifício a poucos dias e passou pelo portão.

O mendigo amigo de Julia sentado na calçada do prédio vizinho fez sinal com a mão para chamá-la, ela não viu. Contentou-se apenas em vê-la abrir o guarda-chuva e partir. Era a última vez que veria Julia.


(continua...eu acho!)

Por Lucas Moratelli


sábado, 8 de novembro de 2008

Depois das 10; (Cap. 1)

Pensou em cortar o cabelo. Era uma das formas mais claras de demonstrar desespero, já estava cansada de chorar. Mas acabou chorando por não ter coragem de cortar o cabelo.

Seu telefone tocou forte, pareceu rasgar sua dor junto do silêncio e transforma - lá em ferida sangrenta. "Alô" - Disse, e logo em seguida desligou o telefone com fúria: Era ele.

Não sabia ao certo se sofria pela solidão que se aproximava ou pela liberdade alcançada.

Tinha medo do porvir. O futuro de tão incerto lhe dava frio na barriga. Frio ruim. Frio doloroso. Não daqueles de montanha russa que passa rápido. Era duradouro e profundo.

Acabou por decidir esperar a noite terminar antes de sair pra comprar cigarros. Corria o risco de encontrá-lo bêbado na padaria da esquina. E isso seria horrível. É melhor ficar sem fumar, ou melhor, apenas fumar, o último que sobrava.

Pensou forte no que faria, e isso doía, porém pensou. "Alugar uma kitnet adiantaria?" - Se indagou antes de pegar no sono. O quarto branco assumiu então outra dimensão. Ficou grande e vazio, apenas a guardar um corpo sofrido e choroso. E o único som que se ouvia era o da respiração de Julia misturada com o vento frio que batia na janela.


(continua...ou não.)

Por Lucas Moratelli.

domingo, 2 de novembro de 2008

Não por necessidade;

Antes de sair do apartamento ele decidiu ir à área de serviço, não por necessidade, apenas uma simples mania. E foi.
Tinha o costume de ver se estava tudo bem antes de sair de casa. Medo de algum acidente. Medo de algum incidente. Medo.
E dessa vez não foi diferente de todas as outras manhãs de quarta-feira, ele não encontrou nada além de seu isqueiro. Aproveitou para acender um cigarro. Mesmo sabendo que ia morrer, ou, por saber que ia morrer. Fumou. Andou. Pegou as chaves. Passou a porta.
Trancar sempre dava desespero. Um leve desespero, mas desespero. Rodou duas vezes e puxou. Estava trancada. Estava presa. Isolada.
O "conviver" doía dentro. Não queria se isolar, mas não queria viver entre máscaras. Então sempre após trancar a porta, sacava a sua (máscara) de bom moço e punha no rosto triste e cansado, transformando num rosto feliz e amigo. Não era feliz nem amigo, mas passou a ser com todos esses anos.
Foi pro atelier sorrindo. Se soubesse cantar, cantaria. Apenas sorriu.
Deu "oi" pro homem da loja de flores, "olá" para a gorda preta de pasta na mão e "como vai?" para o moço afeminado que sempre tentava puxar conversa depois do "como vai?" diário.
A loja era linda! Florida, velha, bem decorada. Usando o tamborilar do coração como fundo musical andou mais rápido e destrancou a porta do ateier. E foi logo para a área de serviço, não por necessidade, apenas por uma simples mania.

Por Lucas Moratelli.


Ando com preguiça de escrever contos longos ou com coesão.
Entender não é necessário, apenas faça cara de intelectual e sorria.
Hoje em dia é o suficiente.

Passar bem. (Y)