domingo, 10 de janeiro de 2010

Florista


Filiou-se ao partido dos corações partidos em janeiro de 1987, quando Rogério morreu afogado em um mergulho de verão. Desde lá mantém ao aquém suas vontades mais íntimas de amor verdadeiro. Vive só, num quarto alugado decorado com desenhos feitos à carvão que se acariciados perdem a forma, as linhas, o sentido. Trabalha por trabalhar em uma floricultura que tem seus lucros em coroas de flores vendidas à funerária da esquina. Vende flores com cheiro de morte e cores vivas. Nunca se viu, antes do fim, acabada viva. Pela morte só espera cansada, veste sempre a mesma calça que lava nos fins de semana, fins esses que só servem para lavar a calça. Brinca de fingir com os outros que não a conhecem, com olas, alôs e ois mal pronunciados entre os dentes apertados e o sorriso branco. Vai levando a dor de existir com a esperança de acabar.  Na verdade acredita que não há muitas saídas para os que ainda conseguem apontar para o depois, num depois além de si acredita, mas tem andado até com esse desacreditada. Seria perda de tempo pronunciar-se sobre tudo, mantém-se calada na dor infiel da solidão e da saudade, até.

4 Opiniões:

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

Menino Lucas e sua beleza lírica ...

"Vai levando a dor de existir com a esperança de acabar."

perturbador isto ...

bjux

;-)

Hugo de Oliveira disse...

Quanta sensibilidade em suas palavras...

Natália Oliveira disse...

Que dolorido.

"A morte é o meio de arranjar parte da gente, quando leva o outro por inteiro"

Forte, triste, isto!

Beijos,

Vinícius Rodovalho disse...

Os desenhos a carvão mais parecem um autorretrato (que palavra feia, escrita assim). Mediante uma 'aproximação', perdem o sentido. Tal como a moça filiada do PCP?

E que flores contraditórias, não? Cores vivas, cheiro de morte. E a Floricultura que serve à Funerária...

Muitas músicas vieram na minha cabeça, enquanto ia lendo. Cazuza e sua Ideologia, logo no início. Titãs e as Flores, um pouco depois. E então, acho que uma música clássica bem melancólica e pungente - que a minha inexperiência em música clássica não permite identificar.

Rico texto e bela "poesia"!

Até! :)