terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sinais.

Apóstrofo de quatro vidas
Corrosão sem graça do cotidiano vazio
Vazio a corrosão do cotidiano sem graça
Nem falemos das rimas, das cores, da taça
Não se ganha quando se acha que vai perder
Perde-se a vitória pelo fracasso da expectativa.
Ponto de exclamação

domingo, 29 de agosto de 2010

Ao lado

Estamos juntos no píer do porto, não nos olhamos há alguns minutos. Eu tenho medo de ele já ter partido e me deixado aqui sozinho. Pelos fortes uivos do vento e pela raiva das ondas contra as pedras não posso ouvir sua respiração. O céu está em um tom de cinza que me deixa confortável. Tenho medo de este mesmo céu parecer melancólico à ele. Perguntei-me quando chegamos se este era mesmo o melhor momento para nossa conversa. Não sei. Acho que não. Ele teria ido, caso fosse. Há talvez a possibilidade de já ter ido. Fico confuso. Vou olhar para o lado. Não, talvez seja melhor perguntar-lhe se está bem. No canto esquerdo, onde tem uma pequena praia que em dias de sol serve de diversão para crianças esperançosas, vejo um pescador consertar seu barco. O barco é azul e branco, a areia da praia é branca, a calça do pescador é azul. Ele, o pescador, olha para o barco e parece ignorar o mar. Sinto vergonha. Ele tão familiarizado com o mar, com a vida, com a dor. E eu, sobre o píer, sentindo o cheiro insuportável de tudo isso. Se fosse o homem da minha vida, esse que talvez esteja ao meu lado, de tudo faria para sugar todos os odores insuportáveis que me cercam antes de chegarem ao meu sofrido olfato. Eu por alguns segundos penso em chorar. Resumo calmo, não devo chorar. Não posso chorar. Estou chorando. Criança abandonada na praia em dia de férias. Meu mundo se acaba quando estou longe dos meus pais, as outras crianças tomam sorvete e passam filtro solar. Eu não, estou sozinho na praia, sob o sol, sem nada. A alegria assume o papel de egoísta. Por que eu não posso fazer parte da festa? Quem não me deixa correr por aí sabendo que no fim do dia eu vou voltar para casa e dormir de cansaço assim que encostar na cama? Paro de chorar. Olho para o lado. Ele ainda está. Sorri para mim. Enxuga minhas lágrimas. Pede desculpa e me abraça. Acho que é mesmo o fim.

sábado, 31 de julho de 2010

Um dia.

A porta na cara
O ônibus vazio
O troco errado
A vida
O passo cansado
O ritmo perdido
A desculpa rejeitada
O desespero
A cama com sono
O sonho complexo
O café amargo
A preguiça
A tevê ligada atoa
O chuveiro frio
O silêncio do mundo
Um dia.

sábado, 26 de junho de 2010

Afiado

- Pedi-lhe o fogo, recebi carícia. Como fizeste da sala pequena o teu pandemônio? Explicaram-me com calma a tua subversão, mas não entendi a tua covardia.

- Podemos arrastar o sofá para aquele canto? Acho que a sala pode ser mais prática se tivéssemos esse espaço livre, você não acha?

- Tu não vês que essas metas só te afundam? O córrego das tuas mentiras escorre entre meus dedos, e você ainda tem coragem de me olhar nos olhos?

- Eu não vejo porque não trocar este sofá de lugar, olhe bem. Tente visualizar as ligações cromáticas que se dariam entre o sofá e a parede nova.

- Faz assim seu escárnio, mete este teu sofá onde quiseres bem. Não me importo com tuas cores, nem tão pouco com suas vontades. Só não quero ter que arrastar esta porra se quiser abrir a janela.


Egoísmo altruísta literário

"Cadê você Camille?" - pensou ele enquanto corria pelo beco escuro fumegante. Não pensou realmente, eu disse que pensou, pois preciso que alguma coisa inicie a história boba de um homem correndo em um beco. Ele pode estar bêbado, maluco, zangado ou vingativo. Escolha você, eu continuo.
Após correr pelo beco pensando em Camille, avistou na esquina escura o maior confronto de sua vida. Bem, escolha o que será novamente, não acha que isso está ficando interessante?
Em disparada na direção do pesadelo afirmou suas crenças e seguiu. Cheguei agora em um momento muito importante do caso, pois dependendo do que este senhor acredita, sua vida pode mudar e ele finalmente encontrar Camille ou tudo continuar igual. Certo de que muitos vão atribuir-lhe crenças positivas, vou aderir a isso a continuidade, porém os negativistas sintam-se à vontade para continuar sozinhos daqui.
Coberto de si mesmo, cheio com o líquido da vitoria ele continuou e na mais improvável das hipóteses aconteceu. Espero que muitos de vocês tenham visto a cena final tão bem quanto eu. Obrigado.

domingo, 6 de junho de 2010

Apaixonado

Não acabou no fim, foram necessárias mais duas horas de choro e auto-explicação. O amor nos promete, mas nunca dá. Egoísta confuso sofrendo os males da própria tragédia. Como eu posso te explicar de forma fácil? Bem, não foi. Queria muito que fosse, mas não foi. E agora entre as outras beiradas das quais não caio há mais uma. Tão sórdido Shakespeare que não pode aumentar a dose. Arraigada a tristeza na nota grave do piano, a música não muda de tom. Espera-se sempre a revelação maravilhosa. Não sabem tolos que do lado de dentro cheira mal.

sábado, 8 de maio de 2010

No inverno a dor é mais forte

Sentou-se só na rua morta de inverno. Todos os pássaros são pretos quando o céu é branco. Não ouviu a própria voz quando tentou falar. Viu-se mancha quando se curvou, soprou-se vento quando achou estar. Sofreu calada e encolhida. Sofreu a tarde inteira. O relógio descompassado do frio adianta a noite como criança arrastada pela mão. Chegou suave e poderosa. Tomou-lhe conta, abraçou-a sem pedir. Sofreu junto. A brisa muda ao som da noite, vem com gosto, com lembrança. Choraram juntas.

domingo, 2 de maio de 2010

Simples

Tão mais que o riso esquentando a cara
O dia forte com luz  que vaza as folhas
Bem simples o sopro da chuva chegando
Na roda a bola de mil mundos soltos
Sem a preocupação da camisa suja
Pula o muro, cospe a verdade
No cansaço sono verdadeiro
No tombo susto
Na volta criança

quarta-feira, 21 de abril de 2010

As pérolas

Cortou-lhe as mãos como castigo eterno por roubar-lhe a simpatia. Moça bem criada com as bochechas rosadas e mãos para a costura. Como puderam fazer isso com ela? Se for errado indagar mais então deve ser interromper. Arrastou o vestido com as pernas trançadas de nervoso e caiu. Tombou torta no chão para arrebentar o cordão de pérolas que sobrou da herança. Rolaram as pérolas e as lágrimas sob o olhar maternal do céu.

sábado, 17 de abril de 2010

Avesso



Clica que aumenta, ok?

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Pingo

Só fecha a janela quando pinga em seu ombro. Hermeticamente fechado em seu cinismo trágico. Eu olho, olho de longe. Eu não. Finjo surpresa na cólera alheia, amarro a cara, volto pro livro.
Onde eu estava? Qual era a linha, o ponto, o espaço?
A negação do silêncio nos permite se encontrar. A troca rápida do diálogo exige atenção fervorosa. Onde estão os diálogos pensados? Ao menos passem de uma linha seus cretinos! Estetas forçados com piercing de ouro no umbigo. A gema da à liga, da o cheiro e a cor. Depois do forno nem parece ovo.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pré-após

Meu bucolismo atual não nega meu desespero, mas não se demonstra em minhas palavras.
Será esse o fim do bucolismo literário que sinto em todo começo de outono?

sábado, 27 de março de 2010

Dona Rosa

Foi em um movimento quase teatral que aumentou a distorção dos passos por ver de longe o ônibus laranja com letreiro eletrônico, que desejava boa tarde e não esperava a resposta. O motorista, por problemas técnicos ou sadismo, parou longe, há uns cinquenta passos da pobre velha. Ela em pura cólera praguejou o motorista em cada um dos passos que deu até a chegar à porta do ônibus. Subiu as escadas balançando o cabelo meio rosa meio vermelho que aparentava uma tentativa falha de ruivo e jogou o dinheiro na mão do trocador. Antes de qualquer resposta, reação ou pensamento a velha de cabelo manchado e sacolas pesadas lançou-se contra a catraca e falou alto que não queria troco. Eu calado participei do momento trágico-cômico quando Dona Rosa se sentou ao meu lado e por toda a viagem me instigou a concordar que os motoristas dos ônibus laranjas não prestam.

sábado, 20 de março de 2010

There's a kid drinking fire

 A música mal pensada em  imagens.   
"Cyanide Breath Mint - Beck"


sábado, 13 de março de 2010

6:30 am

Mãos frias sobre as horas
A gota de chuva cai no silêncio
Um tremor vagaroso escala a espinha
Alguém vive ali dentro

Espaço apertado na solidão
O despertador clama por movimento
Se cerca em um laço fechado
Rola e empurra violento

O peso do mundo ancora as pálpebras
A perna contorce em fuga do chão
Aperta a dor e o desejo de estar vivo
Levanta 

Começa
Repete.

domingo, 7 de março de 2010

Escada

Deu meio passo afobado e subiu a escada correndo numa mistura de fuga e desespero. O pé no patamar foi para ele como uma bandeira fincada no mais alto pico do mundo. O que baseavam suas crenças havia ficado no pé da escada junto do fracasso de ser verdade. Estar no "sobre tudo" era como uma droga correndo na veia, não havia dor, não havia mágoa, a temperatura não importava, só respirava o perfume da glória inventada. Apesar da voracidade do momento ele olhou as mãos tremulas e soltou o mais alto grito que foi capaz de dar. Permitiu-se gritar, fez de si o seu direito.

sexta-feira, 5 de março de 2010

For sale

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Todos

"São todos iguais
E tão desiguais
uns mais iguais que os outros"




Ninguém = Ninguém
Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger

Sozinhos

Tão diferentes e tão iguais. Porque se distanciam assim? Fazem parecer difícil um contato verdadeiro do olhar; fazem parecer mentira um gesto ou outro, parecem, mas não fazem. Ignorância seria exigir autenticidade em cada passo, afinal, é grande o tamanho da estrada e a ilusão de que ficarão nela por muito tempo, mas fazem um eterno jogo de máscaras, infelizmente, às vezes, com pessoas que não querem brincar de teatro.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Caso

Um tiro no escuro
Clareia a face
O rosto ri
A arma mata
O corpo cai

Artigo indefinido
Definidas as possibilidades
"Um homem morto"
"Um assassino"
"Um assassinato"
Uma vez
Todas as outras

Foi ali
Não fui eu





[não achei o dono da imagem]

domingo, 7 de fevereiro de 2010

E me diz...

- Eu gostaria de começar com uma morte e fazer assim um romance intenso que ficasse na cabeça das pessoas, entende? Não, não ria assim! É verdade, mas não penso só em vender livros, não mesmo. Penso em tantas coisas... Sabe meu filho, quando eu tinha a sua idade uma mulher disse que me amava. Foi a pior coisa que já me aconteceu, mas como dizem, devemos seguir. A partir disso eu comecei a escrever histórias, e eu acho que as histórias, os contos, os romances, me deixam viver o que eu nunca vivi. Pode parecer ingenuidade, mas quem não finge uma coisa ou outra pra parecer melhor, hã? Enfim, como eu ia dizendo, esta mulher que disse me amar, e que por conforto passei amar também, morreu logo, pouco tempo depois de se declarar para mim. MARTA, ME TRÁS UM CAFÉ? Você aceita um café, meu filho? MARTA, TRÁS DOIS! Depois disso, meus caminhos começaram a desandar, até que descobri que escrevendo eu saia de mim mesmo, foi o remédio mais barato e mais eficaz que encontrei. Na verdade acho que o dia em que eu parar de escrever eu morro, acredite, morro mesmo. Se não for por tédio ou saudade, vai ser por uma faca ou uma dose de veneno. Não se assuste, todos os seres humanos são um pouco suicidas. Sim, mas desta vez eu vou começar o livro com uma morte.


[ficcional]

sábado, 30 de janeiro de 2010

Conta-gotas

Seria bom se todas as minhas crises de tédio rendessem coisas assim. Alguns vídeos guardados, uma idéia e um pouco de paciência na frente do Movie Maker.


"Conta-Gotas"
A pontuação das repetições do cotidiano.




Estático 2

Resposta da Tainá ao texto "Estático":


http://lectervirouvegetariano.blogspot.com/2010/01/estatico.html

sábado, 23 de janeiro de 2010

Estático

Sobre a engraçada podridão do tédio vespertino acolheu suas ideias mais ousadas de passagem de tempo e dedicou-se ao acaso. Acompanhado da inexperiência da solidão viu-se em meio a um turbilhão de possibilidades inexpressivas ao mundo que não o empolgavam pela fragilidade de suas proporções. Pôs-se fugitivo em si e acasalou o ócio com a preguiça frente à televisão ligada constantemente. Pelos minutos passados enquanto a desculpa de descanso foi válida não se culpou, a partir, porém decidido pela autovergonha espetou-se agulhas imaginárias compostas de expressões de ânimo. Insuficiente em si não mexeu os braças físicos nem qualquer outra parte do corpo esticado em posição de morte. Disperso em pensamentos e com o olhar fixo na tela colorida não se deteve em imaginar os possíveis desfechos do dilema trágico/desestimulante de fim de tarde, apesar das esperanças nenhuma hipótese criada foi interessante o suficiente para erguê-lo.

"Oh, se esta carne sólida, tão sólida, se esfizesse, fundindo-se em orvalho! Ou se ao menos o Eterno não houvesse condenado o suicídio! Ó Deus! Ó Deus! Como se me afiguram fastidiosas, fúteis e vãs as coisas deste mundo! Que horror! Jardim inculto em que só medram ervas daninhas, cheio só das coisas mais rudes e grosseiras."

Hamlet - Ato 1, Cena 2.


domingo, 17 de janeiro de 2010

Foi

Pesquisa afobada
Olha parada para o mar
Soubesse ia
Fazia aqui o que não fará por lá

Veja a roupa pela casa
A mera volta do estar
Santa espera de quem faça
Por tão querer fugiu pro mar

Vestiu bondade ente os panos
Rezou afoita sem querer
Amarelou a carta prosa
Deu-me triste o que escrever.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Florista


Filiou-se ao partido dos corações partidos em janeiro de 1987, quando Rogério morreu afogado em um mergulho de verão. Desde lá mantém ao aquém suas vontades mais íntimas de amor verdadeiro. Vive só, num quarto alugado decorado com desenhos feitos à carvão que se acariciados perdem a forma, as linhas, o sentido. Trabalha por trabalhar em uma floricultura que tem seus lucros em coroas de flores vendidas à funerária da esquina. Vende flores com cheiro de morte e cores vivas. Nunca se viu, antes do fim, acabada viva. Pela morte só espera cansada, veste sempre a mesma calça que lava nos fins de semana, fins esses que só servem para lavar a calça. Brinca de fingir com os outros que não a conhecem, com olas, alôs e ois mal pronunciados entre os dentes apertados e o sorriso branco. Vai levando a dor de existir com a esperança de acabar.  Na verdade acredita que não há muitas saídas para os que ainda conseguem apontar para o depois, num depois além de si acredita, mas tem andado até com esse desacreditada. Seria perda de tempo pronunciar-se sobre tudo, mantém-se calada na dor infiel da solidão e da saudade, até.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Praia


Passinhos leves contra o mar por força grande contra as ondas. Sol abóbora com céu manchado de fim de tarde. Viu marrom pelas lentes dos óculos antigos. Não deixou balançar a bolsa simples feita de um pano estampado. Mão na água feita a alisar o mar. Evaporou a sensação de brisa fresca. Sentiu sorriso, segurou algo pulsante por dentro. Nuvem branca migrando pro ali puxando pássaros organizados em triângulo sem base. Ela viu.



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Feliz ano novo.