sábado, 27 de dezembro de 2008

D. Estefânia; 1

“Era moça simples e estudiosa, usava roupas comportadas e de cores neutras e ia à igreja diariamente.” – Cochichou a gorda para D. Estefânia dentro do ônibus.

“Você está se referindo a filha do Seu Manoel” – Perguntou confusa D. Estefânia.

“Ela mesma. Dizem que agora trabalha em bordel!” – Respondeu a gorda com cólera.

“Acho ótimo quando os jovens se interessam cedo pelo trabalho” – Disse contente D. Estefânia.

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Indico?
O rouxinol e a rosa - Oscar Wilde
(Clica no título do conto para baixar)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Who was born?

Não, ninguém nasceu, e se nasceu não se orgulharia do que é feito.
“Alguém me ajuda a rechear o peru?" - Disse ela purgando de felicidade.
Teu peru recheado não faz questão de participar da celebração! Nem colocaram o nome dele no amigo-oculto.

Cansei de Natal.

- Aceita um Dry Martini?
- Sim.

Depois de dois diálogos exatamente iguais ao que escrevi acima, me vi aos papos com a viúva, de marido vivo, ela preferia o imaginar morto. Falávamos de consumismo. Falávamos de Dry Martinis. Falávamos. Era Natal. "A festa cristã!" - A viúva exclamou com felicidade. Fechei os olhos por um estante. A viúva frígida achou que não a ouvia - não a ouvia mesmo - e saiu de perto praguejando todos do mundo. A meia noite a viúva desejou-me "Feliz Natal".

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domingo, 21 de dezembro de 2008

Depois das 10; (Cap. 3)

Capítulo 1
Capítulo 2
(Só clicar)

N
ão sabia as condições impostas por seu destino. Não sabia que tinha destino. Quando anda prefere não saber. Andava a passos largos. Em uma direção qualquer.

“Eu sempre fui boa para aquele canalha.” – Disse alto, assustou a velhinha que passava por ela.
- Desculpe senhora! Sabe me dizer pra onde fica o viaduto?
- Vire segunda esquerda, e tente parar de falar sozinha, filha, causa má impressão.

“Pro inferno com a boa impressão” – Pensou firme enquanto dava à velha um singelo sorriso.
Subiu rápido o viaduto - que não era tão alto quanto ela imaginava - e foi se sentar no muro de proteção.

“Não, não posso fazer isso por causa de um homem!” – Pensou. Sabia, desde o princípio, que não o faria. Queria fazer como em filme, a moça arrependida recomeça a vida e a faz de forma surpreendente após desistir de se matar.

Julia abriu um sorriso bonito. Era linda! Resolveu fumar um cigarro antes de ir para casa recomeçar de forma surpreendente sua vida. Deixou o isqueiro - dado pelo “canalha” - cair. Assustou-se, deu um grito, caiu junto.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Relacionamento morto;

(Foto e Edição: Eu!)


- A que horas ele chega?
- Não sei meu bem. Você está muito ansiosa pro meu gosto!
- E não é pra estar?
- Sei que é, mas não sei se devemos mesmo fazer isso.
- Claro que devemos Rui. O livro dizia que só com uma experiência dessas poderemos reavivar nosso relacionamento.
- Só acho exagerado demais para nós dois.
- É também acho, mas pode ser bom, e quem não morre, não vê Deus!
- Lá vem você com esses ditados ridículos do seu pai.
- Ridículo, mas muito animador.
- Você imagina como vai ser isso?
- ...
- Patrícia!
- Que foi?
- Por que essa cara de prazer?
- Só estou imaginando como será.
- Acho que eu vou sobrar nessa história.
- Claro que não Ruizinho.
- Você sabe que odeio "Ruizinho". E acho melhor não fazermos isso!
- Agora não dá pra voltar atrás, o menino já deve estar chegando.

(Campanhinha)

- Chegou, viu!
- Tudo bem, vamos fazer.
- Ótimo! Você prefere a faca ou o estilete?
- Tanto faz Patrícia! Nunca matei ninguém...

Lucas Moratelli

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Normais;

(Estava guardado e eu precisava me livrar dele)

L
ouca! Chego até duvidar de sua superficial loucura. És mesmo louca?
Suas coisas têm arrumação impecável, sua vida já não tão arrumada é. Vive em uma casa alugada, paga pelo filho, que não a visita mais. Dizem por aí, que tentou certa vez interná-la. Fracasso estrondoso teve. A louca da casa alugada de filho ausente organizou greve dentro do hospício. Teve louco se recusando a visitas, alguns não quiseram comer e outros, em admirável loucura, prenderam os médicos em camisas de forças. Tiraram-na de lá, a greve acabou.

Não digo que sua loucura é farsa. Quem me dera deus entender essas coisas da cabeça. Só acho, assim por achar, que a louca não é tão louca assim.
A vi outro dia chegar com uma sacola cheia de laranjas. Que fez esta criatura com tantas laranjas? Mamãe me dizia que laranja é bom pra gripe. Minha louca gripada está?

De fato, não sei se minto ou se mentem a mim. Mas a louca, que usa um casaquinho vermelho que é uma formosura, não saiu mais de casa. "Morreu ou mataram?" - Ninguém se indagou, além de mim.
Ao seu funeral levei flores de laranjeira. Quando me permitiram jogá-las por cima do caixão, cheguei perto, bem pertinho, e perguntei com tom amável: Mulher, és louca?

Lucas Moratelli



domingo, 14 de dezembro de 2008

Blowin' In The Wind


Estava atônito. Não fez questão de ver quem estava a gritar no palco. Arrependeu-se anos depois. Só precisava de um cigarro!

- Que puseram em minha bebida? Onde está minha bebida?

Ninguém o olhava. "Quantos ouvidos precisará um homem ter, Até que ele possa ouvir o povo chorar?" - Cantavam todos tristonhos, menos ele.

Melhor sair daqui. Melhor continuar por aqui. Quem tem as respostas? - Pensou. Recostou-se num canto qualquer. Ouviu então o magrelo cantar no palco: "A resposta meu amigo, está soprada no vento". Aliviou-se. Achou então um barbudo, amigo seu, que lhe ofereceu uma bebida.


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Rio de Janeiro, 14 de Dezembro de 2008, vinte e sete reais e trinta e cinco centavos. Sob forte influência de um céu cinza e um disco recém comprado do Dylan.

Lucas Moratelli.



terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Doce Martinha


A
passos rápidos para o boteco deixou cair. Deixou-se cair. Caiu.
Foi ver a conta da Martinha.
Ô menina pra comer doce.
Viu que Martinha, na cólera melhor dizer Marta, comprou cigarros.
Que fazer deus do céu?
A doce Martinha não andas a comer doces,
Fuma cigarros como a uma cachorra velha.
- Essa Marta me paga!
A passos rápidos para a casa deixou cair. Deixou-se cair. Caiu.


Lucas Moratelli

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Maldito Cabral;

O ocorrido se bem me lembro foi em março de 1972. Era eu, o melhor e mais prestativo da repartição, até Cabral chegar. Maldito Cabral! Antes mesmo de me acostumar, foi pegando tudo, até mesmo meu lugar. Fui mandado ao depósito, para lá trabalhar. Cabral sempre simpático ficara com meu espaço e com os afazeres que tinha eu, orgulho de cuidar.

"Em minha casa, ao menos, era eu o rei" - Pobre de mim pensava, até saber que vizinhos novos ganhei. A moça era bela e simpática dessas que dá gosto de ver. Senti até vontade, o melhor foi esquecer. Meu mundo caiu de forma passional quando eu ao chegar do trabalho vi que o vizinho era o maldito do Cabral.

De elogio minha esposa cálida desmanchou. "Cabral querido" - Foi como ela o chamou.

Por semanas vi meu lugar diminuir. Esqueceram o Estefânio. Apenas "Cabral" era possível ouvir. Então em um lapso de loucura resolvi matar aquele escárnio. Fazer assim, com minhas mãos, o sujo do trabalho.

De Cabral ficou o corpo. De sua mulher a solidão. E a mim pobre Estefânio mandaram para a prisão.

Hoje sofro convalescente esperando a morte chegar. Só tenho medo de uma coisa, o maldito do Cabral lá encontrar.

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But, i tried.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Poucas calças;

Era o dia mais importante de sua vida. Conseguia ter um dia assim toda semana, mas desta vez seria diferente. Seu mundo mudaria de cor. Teria enfim a sensação de liberdade.

Um dia antes arrumou a mala como a mãe havia lhe ensinado. "Ponha sempre as calçinhas próximas das meias e leve poucas calças, você pode sempre repetir de calça, de blusa nunca!" - Dizia sua mãe antes das viagens de família para Minas Gerais. E ela assim fez, com menos felicidade do que nas vezes que fazia a mala para viajar com a família, mas fez. E quando terminou foi dormir. Não conseguiu. Passou a noite planejando o dia seguinte.

Acordou disposta, comeu algumas das bolachas que ficavam em um pote de plástico em cima da mesa da cozinha e foi tomar banho. Terminou o banho e se arrumou. E então de súbito tomou coragem e foi falar com os pais.

- Posso falar com vocês? - Disse aos dois seres de meia idade sentados em cadeiras de plástico na varanda.
- Pode sim filha. - Respondeu o homem fechando o jornal de esportes.
- O que você quer Tayrine? - Disse-lhe a mulher que atrevia, de quando em vez, chamar de mãe.
- Eu to saindo hoje de casa! - Disse.
- Mas você só tem onze anos menina! - Disse o homem em tom de briga.
- Mas vocês nunca me escutam. - Tentou dizer, mas ninguém lhe ouviu. Haviam acabado de iniciar uma discussão sobre o futuro da menina que os olhava com lágrimas nos olhos. E antes de explodir e gritar a menina virou as costas, pegou a mala e partiu.

E a única que notou foi sua pequena poodle. Que não conseguia latir no meio do falatório da varanda.


Por Lucas Moratelli


(Promessa cumprida Tay!)